Imprimir

Encontrados os genes responsáveis pela disposição lateral dos órgãos

.
Pesquisa pode ajudar a compreender doença genética que afeta a formação dos órgãos

Uma descoberta realizada por pesquisadores portugueses pode ser a chave para explicar uma das questões fundamentais da Biologia do Desenvolvimento: a lateralidade – ou seja, como se dá a disposição assimétrica dos órgãos no corpo humano.

O estudo, publicado na edição deste mês da Revista “Genes and Development”, descreve pela primeira vez como um determinado gene interfere na disposição dos órgãos, fazendo com que mantenham sempre a mesma posição. A pesquisa pode ajudar a compreender melhor como funciona a doença situs inversus, que inverte a posição dos órgãos no corpo e afeta cerca 0,01% das pessoas, mas que geralmente não causa nenhum transtorno.    De acordo com José António Belo, da Universidade do Algarve, em Portugal, líder da pesquisa, a solução para o problema da localização dos órgãos está em um gene chamado Cerl-2 (“Cerberus Like 2”, em inglês), responsável por ativar uma espécie de “efeito cascata” em células responsáveis pelo desenvolvimento de um dos lados do corpo. 

No estudo, a equipe criou ratos em laboratório cujo gene Cerl-2 não é funcional, chamados ratos “knockout”. O desenvolvimento destes animais apresentou várias alterações morfológicas, incluindo pulmões com dois lóbulos idênticos (o esquerdo, no caso), inversões esquerda-direita das estruturas toráxicas (coração e pulmões) e de órgãos abdominais (estômago, duodeno e rins).     "Este trabalho vem demonstrar que existe um controle genético responsável por permitir a criação de um lado esquerdo, simplesmente por impedir a ativação das mesmas instruções genéticas do lado direito”, diz.

Os cientistas concluíram que os efeitos do gene Cerl-2 sobre a simetria dos embriões deve-se, na realidade, por sua ação sobre um outro gene, o Nodal, também envolvido no processo de desenvolvimento. 

Durante este processo, o gene Nodal é ativado somente do lado esquerdo do embrião, em um local chamado placa mesodérmica esquerda. O gene também é ativado na metade esquerda do nó embrionário (estrutura do embrião sobre a qual desenvolve-se o restante do organismo). Este processo gera uma ativação em cascata do gene Nodal em todo o lado esquerdo do embrião. O gene Cerl-2, por sua vez, é ativado do lado direito, em uma área complementar ao gene Nodal, bloqueando sua ação.

"Trabalhos anteriores tinham demonstrado que o embrião consegue ativar o gene Nodal, ativado apenas no lado esquerdo, também no lado direito. Faltava perceber o que impedia essa ativação", continuou Belo.

Além da ativação de um gene em cada lado do embrião, os cientistas do Instituto Gulbenkian conseguiram mostrar que, na ausência do gene Cerl-2, o organismo passa a ativar desreguladamente o gene Nodal. Assim, em algumas situações houve a ativação do gene também na placa mesodérmica direita, ou somente nesta. 

Quando isso ocorre, o efeito cascata é gerado nos dois lados do embrião, inibindo a expressão assimétrica de certos genes e causando uma “confusão” nos lados direito e esquerdo, que se desenvolvem de forma errada.    Outros estudos    Por anos biólogos e estudiosos procuraram desvendar o mecanismo ativador da diferenciação entre os lados. Antes deste estudo, no entanto, já foram encontrados outros fatores envolvidos na disposição dos órgãos. 

Recentemente foram descritos cílios nas células do nó embrionário cujo movimento de rotação mostrou-se essencial para o “ligar” de determinados genes, gerando a assimetria.  Segundo Belo, o estudo atual vêm mostrar que, além dos cílios, existe também um fator genético, a ação do gene Cerl-2 sobre o gene Nodal. 

No início de sua formação, o embrião humano, assim como o de outros animais, desenvolve-se de forma simétrica, ou seja, tudo o que existe de um lado do organismo é reproduzido do outro. A região estudada pelos cientistas, o “nó” embrionário, é o local do embrião sobre o qual desenvolve-se todo o restante do organismo.  
14/10/2004