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P&D - Medicamentos: Capacitação de RH

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As publicações em periódicos especializados e indexados são demonstrativas essenciais tanto da presença quanto da qualidade da produção científica no Brasil. De fato, a qualidade e quantidade de artigos científicos publicados podem ser usadas para mensurar o poder e o prestígio científico de países, regiões e, em particular, de universidades e centros de pesquisa (1).

A produção científica brasileira, medida pelo número de trabalhos publicados em revistas científicas indexadas, vem crescendo consistentemente ao longo dos últimos 30 anos, mas a inserção da pesquisa nacional nos periódicos de maior impacto, como Nature e Science, ainda é pequena. “Indexada” significa que a revista está registrada em algum banco de dados, que serve como referência de sua própria qualidade. O banco de dados mais importante é o Web of Science, do Institute for Scientific Information (ISI), sendo a importância do periódico medida pelo impacto científico dos trabalhos que publica, o que, por sua vez, é medido pelo número de vezes que aquela publicação é citada por outros trabalhos. A ‘Nature’ e ‘Science’ não são os periódicos com maior fator de impacto, mas são as mais influentes entre as revistas de ciência gerais, com grande visibilidade também fora do meio acadêmico (2).

Ainda nesse contexto, em editorial intitulado "Globalizando a Publicação da Ciência", a edição da revista científica norte-americana Science, de 21/08/09, elogiou a atuação da biblioteca eletrônica SciELO (Scientific Electronic Library Online), criada no Brasil em 1998 pela FAPESP em parceria com o Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde (Bireme), e a aponta como um modelo de difusão da produção científica feita em países em desenvolvimento. O SciELO já revelou a existência de periódicos e artigos científicos produzidos localmente que são altamente citados em revistas indexadas pela base de dados ISI (Institute for Scientific Information). Além disso, o fator de impacto das revistas brasileiras que estão indexadas na base de dados Web of Science (da empresa Thomson Reuters) e no SciELO teve um aumento médio de mais 200% no período 1997-2008 (3).

Nos principais centros de pesquisa brasileiros, os recursos humanos existentes na área de pesquisa clínica já receberam, em algum momento de sua carreira profissional, algum tipo de treinamento em GCP (Boas Práticas Clínicas), ICH (Conferência Internacional de Harmonização) e protocolos de pesquisa clínica, apresentando adequado treinamento técnico-científico. A capacitação destes profissionais se deve, na grande maioria das vezes, a sua participação prévia em estudos anteriores, cujo treinamento foi ministrado pelos próprios patrocinadores internacionais. Em alguns casos, essa capacitação foi obtida pela realização de cursos profissionalizantes específicos da área, embora a oferta deste último mecanismo de treinamento ainda seja restrita e regionalizada no país.

Sobral, M.C.& Sbragia, R., em artigo intitulado “Estrutura de P&D Global: O Caso Novartis” publicado em 2007, analisaram a estrutura utilizada por esta empresa para realizar o desenvolvimento de novos produtos no Brasil. Alguns países, como o Brasil, apresentam vantagens significativas para a realização de estudos clínicos pela disponibilidade de profissionais já preparados para realização deste tipo de pesquisa, pacientes suficientes e centos de pesquisa com os equipamentos necessários, tornando estes países bastante atrativos. Esta análise cita entre os fatores condicionantes da internacionalização das atividades de P&D da Novartis, referentes à pesquisa clínica da matriz para o Brasil, a disponibilidade de recursos para realização de estudos clínicos, estando a maioria dos centros de pesquisa clínica inseridos em hospitais. A pesquisa clínica no Brasil possui uma estrutura que atende aos projetos globais da Novartis bem como desenvolve projetos para atender aos requisitos do mercado local e da área de marketing. A estrutura da equipe brasileira desta multinacional demonstra ter relativa autonomia em seus projetos e estar bem adaptada aos projetos globais (4).

O conceito que lugar de pesquisa é somente na universidade é ultrapassado. Ao contrário, em nações industrializadas, mais da metade da pesquisa está na indústria, que gera 90% das patentes. Por exemplo, na Coréia do Sul em 2005, dos 124 mil profissionais envolvidos em pesquisas, mais de 60% estavam na indústria. No Brasil, o índice era de 18%. Devido a isso, a Coréia ocupou o 6º lugar no ranking mundial, com 4.747 pedidos de registros em 2005. A maioria dos pedidos se originou de pesquisadores locados em empresas, dos quais 64% tinham mestrado ou doutorado. No Brasil, este cenário correspondia a apenas 14% (1).

Segundo pesquisa realizada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) no ano de 2005, os dados sobre o número de pessoas ocupadas em P&D em empresas que realizaram dispêndios nas atividades internas de P&D e os dados sobre o número de pessoas ocupadas nas atividades internas de P&D das empresas que implementaram inovações, por nível de qualificação, demonstraram um cenário nacional bem modesto no setor de fabricação de produtos farmacêutico, se compararmos esses dados ao ritmo de desenvolvimento das nações industrializadas (5).

É cada vez mais evidente a relação inequívoca entre PIB, produção científica e de patentes. Os produtos baseados em tecnologia são aqueles que mais geram riqueza e as três maiores economias do mundo (Estados Unidos, Japão e Alemanha) são as que apresentam os melhores indicadores de patentes e produção científica. Ainda nesse contexto, a revista norte-americana Computing in Science & Engineering publicou as conclusões elaboradas por um grupo interdisciplinar que analisou dados relativos ao Produto Interno Bruto per capita às patentes e aos artigos científicos publicados por 183 países nas últimas três décadas. As análises endossaram a forte correlação entre ciência e tecnologia no desenvolvimento mundial e suas conclusões alertam que o modelo brasileiro de desenvolvimento deve ser imediatamente reestruturado (1).

No entanto, em 2009, um laboratório de análises clínicas e três indústrias farmacêuticas foram consideradas entre as vinte e cinco empresas mais inovadoras do Brasil, segundo a lista anual publicada pela Revista Época Negócios / Fundação Getúlio Vargas - FGV-Eaesp. Cinco dimensões foram analisadas por um fórum de especialistas da FGV - Eaesp, sendo: A- liderança e os mecanismos adotados para garantir que a inovação faça parte permanente de suas estratégias; B- meio inovador interno e o estímulo à iniciativa e ao envolvimento de pessoas; C- as pessoas que conduzem o processo de inovação, envolvendo capacitação e reconhecimento de colaboradores; D- o processo de inovação, envolvendo alocação de recursos, geração de ideias, desenvolvimento e implementação das inovações e E- os resultados, envolvendo os ganhos financeiros e o sucesso da empresa (6).

Analisando-se o caso do Laboratório Farmacêutico Cristália, em Itapira (SP), a empresa foi considerada inovadora principalmente por ter reinventado o modelo de negócios, adotando o conceito de inovação aberta. Em 2004, a Cristália criou um conselho cientifico, que se reuni a cada 2 meses com o objetivo de descobrir as pesquisas cientificas mais promissoras do Brasil e analisá-las do ponto de vista cientifico e de mercado. Parte dos membros desse conselho não são pesquisadores da empresa, mas especialistas de diferentes áreas recrutados em universidades. Esta parceria entre pesquisadores e profissionais corporativos faz a ponte bem-sucedida entre a universidade e a indústria, está de acordo com a tendência mundial e torna a empresa uma das mais inovadoras do país (6).

No caso do Laboratório Farmacêutico Daiichi Sankyo, em São Paulo (SP), a empresa foi considerada inovadora, pelo fórum de especialistas da FGV – Eaesp, por introduzir uma série de ferramentas colaborativas para estimular a criatividade na empresa. Através de um trabalho integrado entre as áreas de recursos humanos, interações humanas e inovação e gestão do conhecimento, foi criado um núcleo de inovação, fomentando a produção de ideias, inclusive no processo de pesquisa de novos medicamentos. Seus centros de estudo para descoberta e desenvolvimento de moléculas estão nos Estados Unidos e no Japão, mas a responsabilidade pelo êxito do produto final é dividida entre as principais filiais (6).

Na análise do caso do Laboratório de Análises Clínicas Sabin, em Brasília (DF), segundo o fórum de especialistas da FGV – Eaesp, a empresa foi considerada inovadora por estabelecer parcerias com universidades para desenvolver novas metodologias de diagnóstico de doenças. No ano de 2007, uma parceria com a Universidade de Brasília resultou na descoberta de uma nova metodologia de análise genética e na identificação de uma rara mutação genética na produção de hormônios sexuais, sendo o tema publicado no The New England Journal of Medicine. Estudos em parceria com instituições de pesquisa já resultaram na publicação de 123 artigos científicos e em 16 novos projetos em desenvolvimento. Em 2008, a empresa investiu R$ 1,5 milhão em formação, sendo que 492 dos 708 funcionários da empresa na época receberam bolsas para graduação e pós-graduação (6).

O Laboratório Farmacêutico Prati-Donaduzzi, em Toledo (PR), é considerado um laboratório genuinamente brasileiro e especializado em medicamentos genéricos. Em 1999, após a criação da lei dos genéricos, a empresa então de porte médio, investiu na capacitação de funcionários, criando cursos em parceria com o Senai. O programa de capacitação estendeu-se para a comunidade local e mais de mil pessoas foram formadas em dois anos. A geração desses recursos humanos possibilitou a criação de empresas que passaram a fornecer insumos para o Prati-Donaduzzi, como a CentralPack, fornecedora de embalagens, e a Biocinese, especializada em estudos de bioequivalência farmacêutica. Por estimular o aprendizado e o espírito empreendedor da comunidade, Laboratório Farmacêutico Prati-Donaduzzi foi considerado entre as vinte e cinco empresas mais inovadoras do Brasil (6).

Se compararmos a organização interna de empresas multinacionais e nacionais, ainda notamos a ausência ou pouca presença de posições de trabalho já existentes no exterior e consideradas como parte da estratégia para o P&D. Profissionais como “Scientific Education Manager”, “eCRF Developer”, “Head of Bioinformatics & Biostatistics”, “PSUR Manager”, “Health Economics & Outcomes Research Manager”, “Patient Relations Manager”, “Clinical Trial Budget Manager”; “Medical Science Liaison (MSL)” e outras colocações especializadas em pesquisa clínica e desenvolvimento ainda são pouco frequentes no Brasil. Diante deste cenário, a área de P&D e pesquisa clínica no Brasil é um setor estratégico, com potencial de investimento e crescimento e que necessita de uma constante especialização multidisciplinar, abertura de novos mercados de trabalho locais e criação, aprimoramento e aproveitamento de recursos humanos locais especializados.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1- Jornal da USP, 2007. http://www.usp.br/jorusp/arquivo/2007/jusp800/pag09.htm - Artigo de autoria de José Aparecido da Silva, professor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP e prefeito do campus da USP em Ribeirão Preto. Jornal da USP, órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.

2- Jornal O Estado de S. Paulo, 10 de setembro de 2006. Herton Escobar. Jornalismo científico. Jornal O Estado de S. Paulo. Domingo, 10 de setembro de 2006.

3- Revista Pesquisa FAPESP, Edição Online - 20/08/2009 - http://www.revistapesquisa.fapesp.br

4- Sobral, M.C.& Sbragia, R. Estrutura de P&D Global: O Caso Novartis. Espacios. Vol. 28 (1) 2007.

5- IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Indústria, Pesquisa de Inovação Tecnológica 2005. http://www.ibge.gov.br

6- Revista Época Negócios, ano 3, nº29, julho, p.86 - 118, 2009.

18/07/2014
Luis Lopez Martinez - Consultor Sênior - Equipe Biotec AHG