Logotipo Biotec AHG

A biotecnologia nas palavras de Alda Lerayer

Imprimir .
Biotec AHG: Como a Sra. analisa a posição do Brasil na biotecnologia mundial nos últimos dez anos? Nosso País tem sabido captar conhecimento e gerar produtos que se equiparem aos desenvolvidos em outros países?

Alda Lerayer: Com a vantagem de ser um País rico em biodiversidade, o que facilita a busca por novas matérias-primas e possibilita novos experimentos e aplicações de pesquisa, o Brasil tem avançado bastante no domínio das técnicas de biotecnologia. A Embrapa e a Esalq, por exemplo, têm realizado um excelente trabalho na área, desenvolvendo plantas tolerantes a herbicidas, a viroses, à seca, resistentes a insetos, além de avançarem no ramo das biofábricas, com plantas expressando hormônios e vacinas. No setor privado, embora muitas pesquisas sejam segredo industrial, sabe-se de plantas com maior produtividade, cana-de-açúcar com teor mais elevado de sacarose, plantas tolerantes a herbicidas, entre muitas outras.O País pode competir com boas chances nesse setor, pois forma sete mil doutores por ano, pelo menos 700 nas áreas de agronomia, veterinária e biologia, além dos provenientes das ciências biomédicas. Isso significa que temos capacidade instalada para trabalhar com produtos que interessam a nós, brasileiros. A massa de cientistas, que está sendo formada, unida a quem já atua no mercado de trabalho, mostra que o Brasil possui muita força no desenvolvimento da biotecnologia. Percebe-se que o País está empenhado em explorar seu potencial para geração de conhecimento na área. Um exemplo disso é a própria Política de Desenvolvimento da Biotecnologia do Brasil, lançada no ano passado, pelo governo federal, com o objetivo de incentivar a abertura de indústrias do setor. Com isso, o País tem tudo para equiparar-se a países, hoje, mais desenvolvidos na área de pesquisa científica como Estados Unidos, Japão, ou mesmo a China, que estabeleceu, como meta governamental, liderar, entre os países emergentes, o segmento da ciência biotecnológica ainda nesta década e tornar-se líder mundial até 2020.   

Biotec AHG: Muito do que a biotecnologia é feita acaba sendo deturpado pelos meios de comunicação social e ignorado pela falta de conhecimento dos cidadãos. Como diretora-executiva e porta-voz do CIB, a Sra. acha que as escolas têm um papel cada vez mais relevante no processo de conscientização dos indivíduos? Qual a melhor forma de informar o cidadão quando o assunto é biotecnologia?   

Alda Lerayer: Os desafios enfrentados para informar a população sobre os organismos geneticamente modificados estão basicamente relacionados à dificuldade de traduzir a ciência para uma linguagem simples e coloquial. Por isso, o CIB se dedica tanto a aproximar seus conselheiros do público, através de workshops, publicações, entrevistas, aulas em universidades, entre outras atividades. Sem dúvida, as escolas têm um papel fundamental na comunicação, pois é lá que a criança e o adolescente terão seu primeiro contato com a ciência e entenderão o papel da engenharia genética para o futuro da humanidade. O site Biotech pra Galera foi criado justamente para levar informações sobre biotecnologia ao público-jovem, utilizando um layout divertido e uma linguagem acessível. Embora tenha apenas quatro anos, o site já recebe cerca de 12 mil visitas por mês.  Além disso, freqüentemente o CIB desenvolve materiais informativos, como o CD Aprender, entender e pensar a biotecnologia, que foi distribuído em escolas de todo o País. Desde a criação do conselho, vejo que a população está cada vez mais informada a respeito da biotecnologia.   

Biotec AHG: Os transgênicos se tornaram sinônimo de biotecnologia. A Sra. acha que o monopólio das monoculturas transgênicas tem grande responsabilidade nisso, ofuscando outras áreas nobres do setor? 

Alda Lerayer: Não acredito que as sementes transgênicas ofusquem outras áreas da biotecnologia. O que acredito é que os movimentos contrários às lavouras genéticamente modificadas (GM) utilizam a desinformação como principal ferramenta para conquistar seus objetivos e utilizam argumentos que, estes, sim, ofuscam as outras áreas desta ciência. Com informação correta e honesta, a leitura é outra. Devemos encarar, com seriedade, as ferramentas biotecnológicas, como um grande instrumento para aprimorar a medicina e atender a crescente demanda de alimentos e de energia.   

Biotec AHG: Como a Sra. vê a agricultura brasileira para os próximos dez anos? Acredita que o Brasil está e estará capacitado para usar as tecnologias transgênicas de forma racional?

Alda Lerayer: O Brasil já está capacitado para usar as tecnologias transgênicas de forma racional e, por isto, os agricultores, não só os grandes, mas também os pequenos, almejam ter cada vez mais variedades GM chegando às suas lavouras. Nos próximos dez anos, acredito que as pesquisas no Brasil devem continuar evoluindo, e teremos diversas variedades nacionais no mercado. Ao analisar o crescimento das sementes transgênicas, durante a última década, podemos dizer que elas devem continuar em ascensão e agregar novos benefícios econômicos e ambientais à sociedade. Além disso, a agricultura brasileira só tem a crescer, não só pelas vantagens proporcionadas pelas sementes GM, mas também por nossa abundância de água e de terras agricultáveis, que, com a crescente demanda de alimentos, fará com que a agricultura nacional prospere em proporções inestimáveis. No Brasil, várias instituições públicas e privadas têm avançado na pesquisa científica de vegetais geneticamente modificados e, assim, chegado a  excelentes resultados, como o feijão resistente ao vírus do mosaico dourado, considerado a pior praga da cultura na América do Sul, e o eucalipto GM, que poderá produzir mais biomassa.       

Biotec AHG: Existem muitas áreas nas quais as tecnologias desenvolvidas pela biotecnologia poderiam ser empregadas no Brasil e não estão sendo. Acha que a política brasileira ainda não oferece o devido peso/valor à biotecnologia?   

Alda Lerayer: Sem dúvida, há muitas ferramentas da biotecnologia que são capazes de oferecer benefícios em diversos campos da sociedade, mas ainda não estão sendo empregadas. Acredito que a Lei de Biossegurança foi um grande avanço para o País, porque definiu regras claras e factíveis para os organismos geneticamente modificados. Essa é uma das mais rigorosas leis de biossegurança do mundo, e um de seus principais benefícios foi dar a uma comissão técnica, formada por especialistas em biossegurança, o poder de decidir sobre os OGMs no País. Essa comissão, a CTNBio, está trabalhando, com sucesso, para reduzir o tempo de espera para a liberação de pesquisas e experimentos com organismos geneticamente modificados, que incluem vacinas, microorganismos, plantas, etc. No ano passado, a CTNBio deliberou sobre cerca de 450 processos, somando as liberações de pesquisas com transgênicos em laboratórios, em estufas e em campo aberto, as aprovações sobre o nível de biossegurança das instalações de entidades de pesquisa e as liberações comerciais, entre diversos outros assuntos.

Biotec AHG: Um grande marco para a história da ciência brasileira foi a aprovação do governo brasileiro quanto ao uso de células-troco. Em comparação com o cenário de outros países mais evoluídos nessa matéria, a Sra. acha que podemos recuperar o tempo perdido? Quais são as suas previsões para as pesquisas em células-tronco no Brasil?

Alda Lerayer: No Brasil, as células-tronco adultas já são usadas há 40 anos no transplante de medula óssea em doenças hematológicas, como leucemias. Já as pesquisas com células-tronco embrionárias, estas, sim, só foram liberadas recentemente e, apesar de a discussão ter levado alguns anos, a maioria dos países também só aprovou esse tipo de pesquisa nos últimos dois anos. Sendo assim, com exceção do Reino Unido e da Austrália, os outros países também estão começando no que diz respeito ao uso de células-tronco embrionárias humanas, que poderão ser a solução para problemas de coração, doenças auto-imunes e até diabetes. O Brasil está muito semelhante aos países de ponta, no caso de pesquisas clínicas, e pode equiparar-se, com mais investimentos para investigações básicas, às pesquisas européias e norte-americanas.

Biotec AHG: Existe ainda uma falta de cooperação entre universidades e empresas privadas na área de biotecnologia. Como elas deveriam expressar seus interesses? Fale um pouco sobre o cenário brasileiro em relação ao de outros países.

Alda Lerayer: No Brasil, já observamos parcerias produtivas entre a academia e a indústria, mas este movimento continua aquém de seu potencial. O intercâmbio entre indústria, universidade e governo é fundamental para oferecer competitividade à pesquisa brasileira, a exemplo dos países que lideram o campo científico. Estados Unidos, França e Japão são bons exemplos de nações que investiram na parceria academia-indústria e, por esta razão, conseguiram posições de destaque. No Japão, em especial, esta parceria foi tão incorporada que já observamos acordos trans-fronteiriços entre universidades e empresas de diferentes países. No Brasil, ainda há espaço para aprimorar a parceria academia-indústria, que já vem se estabelecendo de forma bastante positiva. Os recursos do setor privado podem aperfeiçoar as condições dos centros de pesquisa, seja na tecnologia dos laboratórios, seja na capacitação dos profissionais.  

Biotec AHG: Há poucos anos, raras eram as instituições que detinham o curso de biotecnologia. Hoje, o mercado acadêmico está diferente, e já existem algumas cursos interessantes. Muitos dos nossos leitores são jovens e estão à procura de uma formação adequada. Por que e como apostar numa carreira biotecnológica no Brasil?    

Alda Lerayer: A biotecnologia é uma ciência em expansão, tanto para quem pretende seguir carreira acadêmica, trabalhando nas universidades, como para quem quer trabalhar na iniciativa privada. Diversas empresas do Brasil e do mundo estão ampliando o investimento nessa área, na qual ainda faltam profissionais qualificados para atender à demanda das companhias de biotecnologia e mesmo instituições públicas de pesquisa, tanto na biotecnologia aplicada à agricultura como naquela aplicada à saúde humana e animal. A dica para agrônomos, biólogos, farmacêuticos, médicos e veterinários, que têm interesse na área, é se aproximar dos professores especialistas em genética e iniciar logo um mestrado ligado à biotecnologia.

14/08/2008
 

 © BIOTEC AHG 2023 - Todos os direitos reservados - São Paulo, Brasil.