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Farmacogenética: Drogas Inovadoras

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Os estudos epidemiológicos, observacionais e a caracterização de doenças e populações locais serão pré-requisitos fundamentais para o P&D de medicamentos inovadores focados em farmacogenética, para as doenças crônicas e medicina personalizada.

A condução de pesquisas clínicas no Brasil oferece grande acesso a pacientes não tratados e / ou não diagnosticados em diferentes especialidades médicas e da saúde. O perfil da oferta de serviços de saúde no Brasil e as demandas regionais de investimentos públicos no setor criam a necessidade de implementação de programas de assistência médica mais diversificados, de modo a suprir carências específicas e possibilitar um acesso mais abrangente da população aos serviços de saúde. Neste contexto, o incentivo e a realização de estudos clínicos também podem possibilitar a conversão de dados fornecidos por pesquisas científicas locais em ações de saúde pública de acordo com as necessidades de determinada população ou região estudada.

Segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) a média de vida do brasileiro era de 72,7 anos em 2008 e este índice alcançará em 2050 o patamar de 81,29 anos, basicamente o mesmo nível de países desenvolvidos (1).

Desde a colonização do Brasil e ao longo de sua história, a formação da população brasileira foi influenciada por diferentes períodos de grande imigração, tendo a presença marcante de vários povos na sua composição e, no caso de algumas etnias, uma presença regionalizada e concentrada. Assim sendo, numa grande metrópole como São Paulo, por exemplo, encontramos facilmente uma população com amostras de origem étnica portuguesa, espanhola, alemã, italiana (caucasiana / europeia), negra (africana), japonesa, chinesa, coreana (asiática) entre outras.

Um exemplo significante dessa característica na população brasileira é o fato do Brasil abrigar a maior comunidade japonesa fora do Japão, concentrada principalmente no estado de São Paulo (capital, Mogi das Cruzes, Osvaldo Cruz e Bastos) e do Paraná (Curitiba, Maringá e Londrina). Entre os países da América Latina, o Brasil possui o maior número de japoneses residentes (61.527) e a maior população de descendentes de japoneses (1,5 milhão); seguidos do Peru, Argentina e México (2).

Essa grande variedade étnica em sua população permite ao Brasil atender as estratificações necessárias em determinados protocolos de pesquisa, onde o fator genético for uma variável determinante ou um critério de inclusão específico. Por outro lado, essa miscigenação de etnias pode favorecer a obtenção de resultados quando uma amostra heterogênica for necessária.

Um exemplo da importância do fator genético é a anemia falciforme. Essa doença surgiu em zonas endêmicas de malária na África, sendo uma mutação na molécula de hemoglobina. Como o Plasmodium não se desenvolve em células em forma de foice, essa mutação é um exemplo clássico da seleção natural de Darwin/Wallace. A anemia falciforme foi introduzida no Brasil via tráfico de escravos e distribui-se heterogeneamente, sendo mais frequente onde a população de afro-descendentes é maior. No Sudeste do Brasil, a prevalência média de heterozigotos (portadores) é de 2%, valor que sobe a cerca de 6-10% entre negros e pardos no Nordeste. Estima-se a existência no Brasil de mais de 2 milhões de portadores do gene da HbS e de 700-1000 novos casos anuais de afetados sintomáticos de doenças falciformes. A anemia falciforme pode ser classificada em cinco tipos: Senegal (de média gravidade), Benin (de pouca gravidade) e Banto (o tipo mais grave), Camarões e Árabe-indiano (ambos de forma clínica benigna). No Brasil existe a predominância da anemia falciforme do tipo Banto (70%) e apenas 1% dos diagnósticos é do tipo Senegal. A explicação disso é a prevalência deste grupo étnico na formação da população negra brasileira (3).

Outro exemplo é a hipótese de que a maior incidência de hipertensos na população negra brasileira estaria relacionada à alta taxa de mortalidade dos africanos escravizados durante a viagem entre os continentes. As causas de morte mais recorrentes nos navios negreiros eram a desidratação e a diarreia, e especula-se que a maioria dos sobreviventes possuía uma capacidade maior de retenção de cloreto de sódio. Consequentemente, segundo essa hipótese, essa seleção gerou uma população negra brasileira com maior incidência de hipertensão arterial. Neste contexto, informações apresentadas no III Consenso Brasileiro de Hipertensão Arterial, descrevem que a prevalência da hipertensão arterial na população negra brasileira é mais elevada, bem como é maior sua gravidade, particularmente quanto à incidência de hipertensão arterial maligna, acidente vascular encefálico e insuficiência renal crônica. Esse comportamento pode estar relacionado a fatores étnicos e/ou socioeconômicos. No entanto, predominam, em nosso país, os miscigenados, uma população que pode diferir dos negros quanto às características da hipertensão (4).

Ainda tomando a hipertensão arterial como exemplo e sua relação com as características étnicas de nossa população, podemos avaliar a comparação de informações sobre saúde das populações brasileira e norte-americana baseada em dados da PNAD/98 e NHIS/96, publicada em 2002 (5). Nesse estudo observou-se que os afros-descendentes na população brasileira apresentavam uma maior prevalência de hipertensão, principalmente no que concerne às mulheres, porém não existia um padrão consistente na população americana. Segundo este autor, nem sempre as diferenças de sexo ou raça têm o mesmo sinal para a população do Brasil e dos EUA. De acordo com o III Consenso Brasileiro de Hipertensão Arterial, com relação ao tratamento medicamentoso da hipertensão arterial, a eficácia dos betabloqueadores e dos inibidores da ECA parece ser menor na população negra americana, porém, para a população brasileira negra e miscigenada, não existiam dados disponíveis que permitissem avaliar adequadamente este fato na eficácia desses fármacos (4).

Sobral, M.C.& Sbragia, R., em artigo intitulado “Estrutura de P&D Global: O Caso Novartis” publicado em 2007 (6), analisaram a estrutura utilizada pela empresa para realizar o desenvolvimento de novos produtos no Brasil. Segundo este artigo, a principio, podemos imaginar que a pesquisa clínica é realizada em vários países do mundo apenas para reduzir o custo total ou para utilizar pessoas nos países em desenvolvimento como “cobaias”. No entanto, segundo informações deste artigo, a maior parte das pesquisas é realizada nos países desenvolvidos, o que tem causado uma saturação dos centros de pesquisa e dificuldades para encontrar pacientes nestes locais. Na realidade, o desafio da pesquisa clínica também abrange a redução de tempo de desenvolvimento dos produtos e, com o intuito de acelerar este processo, estes estudos são realizados paralelamente nos países em desenvolvimento. Como exemplo neste caso, o Brasil é um país importante para as pesquisas na área de transplante, sendo um terço dos estudos clínicos nesta área na Novartis realizados também no Brasil e, de forma geral, o Brasil representa um décimo dos pacientes em estudos em transplantes da Novartis (6).

Em alguns casos, os estudos devem ser localizados especialmente em países em desenvolvimento devido à escassez de pacientes nos países mais desenvolvidos (por exemplo, malária e outras doenças tropicais não existentes nos países de origem dos estudos). Outro motivo para a busca de centros de pesquisa em novos países deve-se ao fato que algumas pesquisas demandam que os pacientes nunca tenham ingerido determinados medicamentos, pois isto poderia adulterar os resultados. Em outros casos busca-se o oposto, ou seja, o fato de que no Brasil existem pacientes que já utilizaram determinadas drogas em desenvolvimento. Neste último caso, isto se transforma em um facilitador para novas pesquisas, associado ao fato do sistema ético - regulatório já ter contato com toda a documentação técnica do produto quando aprovou o estudo anterior (6).

Entre os benefícios da participação do Brasil na realização de estudos clínicos multicêntricos nacionais e/ou internacionais está a geração de dados importantes sobre a ação de novos medicamentos, tratamentos e tecnologias em nossa população. A ausência de estudos realizados com uma amostra da nossa população nos torna reféns da utilização única de informações baseadas em amostras que podem não corresponder em sua totalidade as nossas características e variáveis genéticas, climáticas, nutricionais, sociais, culturais entre outras.

Portanto, a realização de estudos clínicos no Brasil é do interesse da sociedade, do governo, dos pacientes e de todos os setores envolvidos, sejam eles privados ou públicos, sendo estratégico para o sucesso do P&D de medicamentos inovadores influenciados pela farmacogenética e fundamental para a tomada de decisão por parte das agências regulatórias quanto à segurança e eficácia necessárias para que o produto seja registrado no Brasil.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1 http://www.ibge.gov.br

2. http://www.mofa.go.jp (Ministry of Foreign Affairs of Japan).

3. Oliveira, Fátima. Saúde da população negra: Brasil ano 2001 / Fátima Oliveira − Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde, 2003.

4. III Consenso Brasileiro de Hipertensão Arterial, Campos do Jordão, SP, 1998.

5. Beltrão, K. I.; Sugahara, S. Comparação de informações sobre saúde das populações brasileira e norte-americana baseada em dados da PNAD/98 e NHIS/. Ciência & saúde coletiva, vol.7 no.4, Rio de Janeiro, 2002.

6. Sobral, M.C.& Sbragia, R. Estrutura de P&D Global: O Caso Novartis. Espacios. Vol. 28 (1) 2007.

18/07/2014
Luis Lopez Martinez - Consultor Sênior - Equipe Biotec AHG
 

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